domingo, 9 de fevereiro de 2014

querida morte,

Eu nunca tive medo de você. Talvez por serenidade, talvez por encarar isso com naturalidade, talvez por ser míope e quando você esteve por perto, mesmo me encarando nos olhos, eu não tenha enxergado direito, ou avaliado os riscos. Sabe como é, sou suburbano, a gente leva tudo na leveza e na galhofa. É assim que a gente vive a sua irmã, a vida.

Pois bem. Eu já havia pensado muito em você quando do nascimento da primeira filha. Você sabe, eu não fiz, mas aprimorei. E bem. Ela tá grandona, tem muito pra fazer por aí. Missão quase cumprida, porque pai não pode relaxar nunca. Mas agora chegou um pequenininho. Muito saudável, um touro, também vai viver muito e bastante, vai ser muito feliz, veio pra ser muito amado. E assim será.

Sabe, tenho me pegado pensando em você. E não encare isso como uma declaração de amor, embora seja inevitável terminar em seus braços. Até porque, por mais que se viva, uma hora a vida deixa de ser benção e vira maldição. É a condição natural dos seres vivos. Mas isso vai demorar muito tempo. Estou tentando me cuidar, fazendo coisas mais saudáveis, tudo para ficar ao lado dos meus filhos e retardar o encontro marcado com você. Aliás, espero que você tenha marcado isso pra bem longe. Quero ficar bem velhinho.

Pela primeira vez, tenho medo de te encontrar. Não é nada que me impeça de viver, mas confesso que me incomoda ficar acordando no meio da madrugada pensando em você. Sei que você tem muito por fazer na sua missão, mas por favor me poupe das pegadinhas do Mallandro e das contingências intempestivas. Nada de "glu, glu", muito menos "yeah, yeah".

Então, ficamos assim: Você na sua, eu na minha. Eu fazendo tudo pra não te encontrar nessas esquinas do destino antes da hora marcada. Mesmo sendo pontual, vou me atrasar. Não me leve a mal, é só vontade de viver mesmo. E isso eu sei fazer, tanto que pretendo viver muito. Continuo te respeitando e sabendo que é inevitável, mas daqui por diante, não vou te fitar nos olhos.

Quando receber, coloque lá embaixo da pilha de cartas, ok? E não precisa me avisar de nada não.

Até qualquer dia, bem longe deste dia,
Arthur Chrispin.










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Arthur Chrispin, 35, carioca, flamenguista e suburbano, atualmente perdido pelos agrestes, escreve suas impressões da vida no www.cotidianoeoutrasdrogas.wordpress.com

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